Uma lei imposta pelo faraó mandava matar todos os meninos do sexo masculino que nascessem de mulher hebreia. Duas parteiras do Egito desobedeceram à ordem do faraó, deixando sobreviver todos os meninos. Essas temiam a Deus e por isso Deus as recompensou. Uma mulher teve um filho homem e o manteve escondido por durante três meses, só então resolveu ‘despachá-lo’. Para que sobrevivesse à ordem dada pelo faraó, colocou-o num cesto em meio ao Rio Nilo. Uma menina acompanhou a trajetória desse cesto, rio abaixo. A filha do faraó, que tomava banho no rio encontrou o cesto e viu que nele tinha uma criança. A menina que acompanhou o cesto resolveu oferecer à filha do faraó uma espécie de ama de leite, a fim de amamentar o menino achado no rio. A ideia foi aceita e o menino foi devolvido ao palácio real quando ficou desmamado.
A história acima nos mostra que, contrariando uma ordem que possibilita a morte, parece que são sempre as mulheres que tomam a iniciativa de preservar a vida. É próprio delas a característica natural da manutenção e da geração da vida. Isso é verdade, pois na Bíblia, as personagens femininas lutam pela preservação da vida. Por isso a vida de Moisés, o menino que foi salvo pelas águas, é preservada, e dá início a todo um projeto de salvação querido por Deus.
Nessas narrativas o povo, ao escrevê-las, procura por fatos históricos com os quais permitiu-lhe compreender a presença de Deus nas suas vidas, libertando-o de formas de opressão, dominação e escravidão. À medida que o tempo vai passando, esses fatos bíblicos vão ganhando sempre novo sentido, e são assumidos e interpretados, adquirindo novo significado de acordo com a história atual, assim como no passado.
As mulheres da Bíblia não só defenderam a vida, mas também puderam mostrar o braço forte de Deus agindo por meio de suas atitudes, que se revelavam como sendo transgressoras, muitas vezes desobedecendo ao rei e às leis sociais impostas, a fim de que a vida prevalecesse. É aí que Deus age, pois o profeta Isaías diz que “os pensamentos humanos não são os de Deus” (cf. Is 55,8). Por isso, as narrativas bíblicas nos mostram que Deus é capaz de transformar situações de pecado e morte em graça e vida. Voltar-se ao Senhor enquanto é tempo, eis a questão. De fato, com essas narrativas, sagas, dramas, histórias e novelas, o escritor bíblico quer pontuar uma linha de realidade que só se entenderá no futuro, a descendência, em que estão em jogo personagens denominados de ‘salvadores e redentores’, qualidades presentes nas parteiras do Egito. Melhorar a situação de vida em período de crise é próprio de quem se mostra misericordioso. É essa a atitude do Senhor, que se torna um sinal para o povo que o procura.
No Novo Testamento não foi diferente. O povo estava em crise e Deus interveio com uma solução. Foi assim que aconteceu quando Jesus nasceu. O povo esperava um messias salvador a fim de que o libertasse do domínio opressor estrangeiro. Um anjo se dirigiu a uma mulher daquela época e lhe anunciou a promessa de Deus, já prevista pelos profetas. Essa mulher era Maria, ela seria a mãe do Salvador, o messias prometido pelos profetas. Maria aceita a proposta e se coloca como aquela que crê, assim como Abraão, que confiou na misericórdia de Deus, e saiu sem rumo certo. Nesse sentido, Maria é situada dentro do plano da salvação, pois está na base, como continuadora do projeto de Deus. Em seu canto, o Magnificat, Maria mostra como Deus se revela aquele que muda os padrões da sociedade, “derrubando os poderosos de seu trono e elevando os humildes” (cf. Lc 1,52). Jamais podemos destacar Maria e analisá-la sem a ligação profunda que ela tem dentro do plano de salvação com o seu Filho Jesus Cristo. Agora torna-se a mulher do presente, a mulher da obediência. Todas aquelas mulheres do Antigo Testamento que preservavam vidas tiveram como paradigma o Deus Salvador de Maria que se revela no Filho Jesus Cristo. Sem isso, desfocamos todo o sentido do projeto do reino de Deus. Por isso, Maria é descrita no Novo Testamento como aquela que obedeceu, que guardava todas as coisas no seu coração e meditava os fatos do cotidiano, que permaneceu firme de pé junto à cruz e que ficou na firme esperança da ressurreição e da vinda do Espírito, reunida no cenáculo com os apóstolos. Maria é então a serva fiel, a mulher orante que representa e prefigura toda a Igreja, a Israel obediente. É em sua atitude que se espelha a Igreja, e o significado disso só pode estar em relação ao Cristo, pois “Maria não só esteve ligada a ele no plano biológico, mas, sobretudo, no plano espiritual, religioso e existencial” (cf. Missal Romano, p.1360). Em meio a tanta transgressão de outrora, agora aparece Aquela que assume com seu Sim a proposta de vida para um povo que sofria as duras penas da opressão e da dominação.
Analisar Maria sem o projeto de salvação é desfocá-la daquilo que é a meta de sua imagem. Ela é a visibilidade da Igreja presente. Assim, pois, é necessário olhar com certo cuidado para algumas devoções que querem descontextualizar Maria do projeto salvador de Deus, fazendo intuições deturpadas de sua figura, sem contar aqueles grupos que dão um realce de supervalorização, apontando o que Maria não é. Outros a colocam na periferia da vida religiosa, e outros ainda a tomam como embate para o não fortalecimento do diálogo ecumênico sadio. É preciso então que nos desarmemos para entender a reflexão feita sobre Maria, a fim de que esta seja saudável. A piedade mariana só é existencial e pastoralmente válida se estiver orientada para Cristo.
Precisamos pensar e nos perguntar onde é realmente que está a verdadeira intuição da Igreja ao nos apresentar Maria. Assim a colocaremos no seu devido lugar, é claro sem jamais isolá-la. Se conseguirmos fazer isso, entenderemos cada vez mais sobre sua pessoa e a amaremos cada vez mais, sem cair numa “mariolatria”.
Eurivaldo Silva Ferreira
A história acima nos mostra que, contrariando uma ordem que possibilita a morte, parece que são sempre as mulheres que tomam a iniciativa de preservar a vida. É próprio delas a característica natural da manutenção e da geração da vida. Isso é verdade, pois na Bíblia, as personagens femininas lutam pela preservação da vida. Por isso a vida de Moisés, o menino que foi salvo pelas águas, é preservada, e dá início a todo um projeto de salvação querido por Deus.
Nessas narrativas o povo, ao escrevê-las, procura por fatos históricos com os quais permitiu-lhe compreender a presença de Deus nas suas vidas, libertando-o de formas de opressão, dominação e escravidão. À medida que o tempo vai passando, esses fatos bíblicos vão ganhando sempre novo sentido, e são assumidos e interpretados, adquirindo novo significado de acordo com a história atual, assim como no passado.
As mulheres da Bíblia não só defenderam a vida, mas também puderam mostrar o braço forte de Deus agindo por meio de suas atitudes, que se revelavam como sendo transgressoras, muitas vezes desobedecendo ao rei e às leis sociais impostas, a fim de que a vida prevalecesse. É aí que Deus age, pois o profeta Isaías diz que “os pensamentos humanos não são os de Deus” (cf. Is 55,8). Por isso, as narrativas bíblicas nos mostram que Deus é capaz de transformar situações de pecado e morte em graça e vida. Voltar-se ao Senhor enquanto é tempo, eis a questão. De fato, com essas narrativas, sagas, dramas, histórias e novelas, o escritor bíblico quer pontuar uma linha de realidade que só se entenderá no futuro, a descendência, em que estão em jogo personagens denominados de ‘salvadores e redentores’, qualidades presentes nas parteiras do Egito. Melhorar a situação de vida em período de crise é próprio de quem se mostra misericordioso. É essa a atitude do Senhor, que se torna um sinal para o povo que o procura.
No Novo Testamento não foi diferente. O povo estava em crise e Deus interveio com uma solução. Foi assim que aconteceu quando Jesus nasceu. O povo esperava um messias salvador a fim de que o libertasse do domínio opressor estrangeiro. Um anjo se dirigiu a uma mulher daquela época e lhe anunciou a promessa de Deus, já prevista pelos profetas. Essa mulher era Maria, ela seria a mãe do Salvador, o messias prometido pelos profetas. Maria aceita a proposta e se coloca como aquela que crê, assim como Abraão, que confiou na misericórdia de Deus, e saiu sem rumo certo. Nesse sentido, Maria é situada dentro do plano da salvação, pois está na base, como continuadora do projeto de Deus. Em seu canto, o Magnificat, Maria mostra como Deus se revela aquele que muda os padrões da sociedade, “derrubando os poderosos de seu trono e elevando os humildes” (cf. Lc 1,52). Jamais podemos destacar Maria e analisá-la sem a ligação profunda que ela tem dentro do plano de salvação com o seu Filho Jesus Cristo. Agora torna-se a mulher do presente, a mulher da obediência. Todas aquelas mulheres do Antigo Testamento que preservavam vidas tiveram como paradigma o Deus Salvador de Maria que se revela no Filho Jesus Cristo. Sem isso, desfocamos todo o sentido do projeto do reino de Deus. Por isso, Maria é descrita no Novo Testamento como aquela que obedeceu, que guardava todas as coisas no seu coração e meditava os fatos do cotidiano, que permaneceu firme de pé junto à cruz e que ficou na firme esperança da ressurreição e da vinda do Espírito, reunida no cenáculo com os apóstolos. Maria é então a serva fiel, a mulher orante que representa e prefigura toda a Igreja, a Israel obediente. É em sua atitude que se espelha a Igreja, e o significado disso só pode estar em relação ao Cristo, pois “Maria não só esteve ligada a ele no plano biológico, mas, sobretudo, no plano espiritual, religioso e existencial” (cf. Missal Romano, p.1360). Em meio a tanta transgressão de outrora, agora aparece Aquela que assume com seu Sim a proposta de vida para um povo que sofria as duras penas da opressão e da dominação.
Analisar Maria sem o projeto de salvação é desfocá-la daquilo que é a meta de sua imagem. Ela é a visibilidade da Igreja presente. Assim, pois, é necessário olhar com certo cuidado para algumas devoções que querem descontextualizar Maria do projeto salvador de Deus, fazendo intuições deturpadas de sua figura, sem contar aqueles grupos que dão um realce de supervalorização, apontando o que Maria não é. Outros a colocam na periferia da vida religiosa, e outros ainda a tomam como embate para o não fortalecimento do diálogo ecumênico sadio. É preciso então que nos desarmemos para entender a reflexão feita sobre Maria, a fim de que esta seja saudável. A piedade mariana só é existencial e pastoralmente válida se estiver orientada para Cristo.
Precisamos pensar e nos perguntar onde é realmente que está a verdadeira intuição da Igreja ao nos apresentar Maria. Assim a colocaremos no seu devido lugar, é claro sem jamais isolá-la. Se conseguirmos fazer isso, entenderemos cada vez mais sobre sua pessoa e a amaremos cada vez mais, sem cair numa “mariolatria”.
Eurivaldo Silva Ferreira
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