quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Há 170 anos ...

Há 170 anos, em 8 de dezembro de 1841, Dom Bosco iniciava o “seu” Oratório, cuja origem ele mesmo conta nas Memórias do Oratório. Vale a pena recordar! [Antonio da Silva Ferreira, São Paulo: Salesiana, p. 122]

FESTA DA IMACULADA CONCEIÇÃO E INÍCIO DO ORATÓRIO FESTIVO[1]

Mal entrei no Colégio de São Francisco, vi-me logo cercado por um bando de meninos que me acompanhavam em ruas e praças, até mesmo na sacristia da igreja do instituto. Não podia, entretanto, cuidar deles diretamente por falta de local. Um feliz encontro proporcionou-me a oportunidade de tentar a concretização do projeto em favor dos meninos que erravam pelas ruas da cidade, sobretudo dos que deixavam as prisões.

No dia solene da Imaculada Conceição de Maria, 8 de dezembro de 1841, estava, à hora marcada, vestindo-me com os sagra­dos paramentos para celebrar a santa missa. O sacristão José Comotti, vendo um rapazinho a um canto, convidou-o a ajudar-me a missa.

– Não sei – respondeu ele, todo mortificado.

– Vem – replicou o outro –, tens de ajudar.

– Não sei – retorquiu o rapaz – nunca ajudei.

– És um animal – disse o sacristão enfurecido. – Se não sabes ajudar a missa, que vens fazer na sacristia?

E, assim dizendo, tomou do espanador e começou a desferir golpes nas costas e na cabeça do pobrezinho.

Enquanto este fugia, gritei em voz alta:

– Que está fazendo? Por que bater nele desse jeito? Que é que ele fez?

– Se não sabe ajudar a missa, por que vem à sacristia?

– Mas você agiu mal.

– E que lhe importa?

– Importa muito, é um meu amigo; chame-o imediatamente, preciso falar com ele.

– Oi, rapaz! – pôs-se a chamar; e correndo atrás dele e garantindo-lhe melhor tratamento trouxe-o para junto de mim,

O rapaz aproximou-se a tremer e a chorar pelas pancadas recebidas.

– Já ouviste missa? – disse-lhe com a maior amabilidade que pude.

– Não – respondeu.

– Vem então ouvi-la. Depois gostaria de falar de um negócio que vai-te agradar.

Prometeu. Era meu desejo aliviar o sofrimento do pobrezinho e não deixá-lo com a má impressão que lhe causara o sacristão.

Celebrada a santa missa e terminada a ação de graças, levei o rapaz ao coro. Com um sorriso no rosto e garantindo-lhe que já não devia recear novas pancadas, comecei a interrogá-lo assim:

– Meu bom amigo, como te chamas?[2]

– Bartolomeu Garelli.[3]

– De onde és?

– De Asti.

– Tens pai?

– Não, meu pai morreu.

– E tua mãe?

– Morreu também.

– Quantos anos tens?

– Dezesseis.

– Sabes ler e escrever?

– Não sei nada.[4]

– Já fizeste a Primeira Comunhão?

– Ainda não.

– Já te confessaste?

– Sim, quando era pequeno.

– E agora, vais ao catecismo?

– Não tenho coragem.

– Por quê?

– Porque meus companheiros mais pequenos sabem o catecismo, e eu, tão grande, não sei nada. Por isso fico com vergonha de ir a essas aulas.

– Se te desse catecismo à parte, virias?

– Então sim.

– Gostarias que fosse aqui mesmo?

– Com muito gosto, contanto que não me batam.

– Fica sossegado, que ninguém te maltratará. Pelo contrário, serás meu amigo. Terás de haver-te só comigo e mais ninguém. Quando queres começar?

– Quando o senhor quiser.

– Esta tarde serve?

– Sim.

– E se fosse agora mesmo?

– Sim, agora mesmo. Que bom!

Levantei-me e fiz o sinal-da-cruz para começar; meu aluno não o fez porque não sabia. Naquela primeira aula procurei ensinar-lhe a fazer o sinal-da-cruz e a conhecer Deus Criador e o fim por que nos criou. Embora tivesse pouca memória, conseguiu, com assiduidade e atenção, aprender em poucos domingos as coisas necessárias para fazer uma boa Confissão e, pouco depois, a sagrada Comunhão.

A esse primeiro aluno[5] juntaram-se outros mais. Durante aquele inverno limitei-me a alguns adultos que tinham necessidade de catequese especial, sobretudo aos que saíam da cadeia. Pude então constatar que os rapazes que saem de lugares de castigo, caso encontrem mão bondosa que deles cuide, os assista nos domingos, procure arranjar-lhes emprego com bons patrões e visitá-los de quando em quando ao longo da semana, tais rapa­zes dão-se a uma vida honrada, esquecem o passado, tornam-se bons cristãos e honestos cidadãos. Essa é a origem do nosso Oratório,[6] que, abençoado por Deus, teve um desenvolvimento que então eu não podia imaginar.

[1] Do mesmo Dom Bosco provêem duas tradições diversas a respeito do início de seu Oratório festivo. A primeira, mais antiga, é trazida pelo Cenno storico dell´Oratorio di S. Francesco di Sales, de 1854: “Este Oratório, ou seja, reunião de jovens nos dias festivos, começou na igreja de São Francisco de Assis [...] comecei com o reunir no mesmo lugar 2 jovens adultos, gravemente necessitados de instrução religiosa. A estes se uniram outros e no decorrer de 1842 o número chegou a 20 e às vezes a 25” (G. Bosco, Cenno storico. In: P. Braido [ed.], Don Bosco educatore, p. 110-111).

A segunda, mais recente, aparece já nas Crônicas de Ruffino e fala somente de Bartolomeu Garelli. Ruffino, porém, deixa em branco o ano em que teria acontecido o encontro de Garelli com Dom Bosco: “Origem do Oratório. No ano [...] Dom Bosco se encontrava no Colégio Eclesiástico de São Francisco de Assis. No dia da festa da Imaculada Conceição, vestia-se para celebrar a santa missa, entrementes um jovem lá pelos 17 ou 18 anos estava na sacristia, esperando para ouvir a santa missa [...]” (R11860, p. 28-30 FDB 1206 C 9 - C 11).

A história oficial dos salesianos, com a publicação, no BS, da História do Oratório de São Francisco de Sales, adotou esta segunda tradição.

[2]“– Como te chamas?

– N. N.” (R1 1860, p. 30, FDB 1206 C 10).

[3] Dom Bosco provavelmente italianizou em Garelli o sobrenome Carel.

[4] Lemoyne (MB II, p. 76) diz que o santo, depois do “não sei nada”, prosseguiu assim o diálogo:

“– Sabes cantar?

– Não.­

– Sabes assobiar?

E então o menino sorriu”.

Era o que Dom Bosco queria: conquistar a confiança.

[5] Garelli trouxe logo outros meninos para o catecismo e freqüentou-o por algum tempo, mas não se sabe até quando. Lemoyne afirma que o padre Anfossi, então seminarista no Oratório, e outros viram-no por ali depois de 1855. Posteriormente perdeu-se lhe a pista. “Garelli aparece aos olhos de Dom Bosco como o apelo de toda a juventude necessitada e abandonada” (Fr. Veuillot, Saint Jean Bosco et les salésiens. Paris, 1943, p. 22).

[6] Quando, em 1869, Dom Bosco pedia cartas de recomendação dos prelados para alcançar a aprovação pontifícia da Congregação Salesiana, incluía nas petições que lhes fazia um resumo histórico desde as origens. Começava assim: “Esta Sociedade era no princípio um simples catecismo”. Era, com efeito, o catecismo iniciado a 8 de dezembro de 1841 e continuado na mesma igreja, e que dali passou a outros lugares, com a colaboração de leigos e eclesiásticos e com a aprovação do arcebispo, sob a direção do santo.

Ele próprio assinala uma circunstância desse primeiro catecismo. Depois do sinal-da-cruz, rezou a Ave-Maria, e, a 8 de dezembro de 1885, revelou a eficácia dessa oração. Dava uma conferência no Oratório aos sócios reunidos e assim se expressou: “Todas as bênçãos que nos choveram do céu são fruto da Ave-Maria rezada com fervor e reta intenção junto com o jovem Bartolomeu Garelli na igreja de São Francisco de Assis” (MB XVII, p. 510).

Por esse motivo, os salesianos datam a origem da Sociedade a 8 de dezembro de 1841.

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