sábado, 11 de abril de 2015

Garelli e o poço da Samaria




“No dia solene da Imaculada Conceição de Maria, 8 de dezembro de 1841, estava, à hora marcada, vestindo-me com os sagrados paramentos para celebrar a santa missa. O sacristão José Comotti, vendo um rapazinho a um canto, convidou-o a ajudar-me a missa. - Não sei - respondeu o garoto(...). Então o sacristão tomou o espanador e começou a desferir golpes nas costas e na cabeça do pobrezinho. Enquanto ele fugia gritei em voz alta: Que está fazendo? (...) Ele é meu amigo.”

Retirado das Memórias do Oratório de São Francisco de Sales, este encontro de Dom Bosco com Garelli marca o início do Oratório. Após a missa, com uma simples Ave Maria, se inicia uma obra que irá trabalhar pela salvação das almas de muitos adolescentes e jovens à margem de uma sociedade opressora e desigual, que não valoriza e nem dignifica o ser humano.
Podemos relacionar esse encontro com uma passagem bíblica retirada do Evangelho de São João: é a passagem do encontro de Jesus com a mulher samaritana (Jo 4, 4-26).


A situação da samaritana e a de Bartolomeu Garelli
No início do relato bíblico, São João narra que Jesus estava se dirigindo para a Galileia e, para isso, teria que atravessar a Samaria.
A relação entre os samaritanos e os judeus não era muito positiva. Os samaritanos se viam hostilizados pelos judeus, que não os consideravam integrantes do seu povo, por diversas desavenças que cruzaram suas histórias. No caso do relato bíblico, a samaritana ainda estava em uma pior situação, pois, além de pertencer aos samaritanos, sofria com o preconceito de ser mulher em um mundo machista em que se encontrava.
Bartolomeu Garelli era um menino pobre, órfão, sem estudos e sem perspectivas de um futuro. Era um menino desprotegido, que procurava um sentido para a sua vida, mesmo que inconscientemente.
Tanto a samaritana quanto Garelli se encontravam em situações semelhantes na sociedade, onde os marginalizados eram desconsiderados e tratados como seres descartáveis.


O encontro no poço
São João narra que no momento em que Jesus estava tranquilamente sentado junto ao poço, chega uma mulher samaritana para tirar água. Para a sua surpresa, Jesus quem lhe pede água para beber. Ela o interroga, perguntando-lhe por que ele, sendo judeu, pedia água a ela, que era uma samaritana.
Depois do desastroso encontro de Garelli com o sacristão, Dom Bosco inicia um diálogo com aquele garoto, que talvez, estivesse se perguntando de forma parecida à samaritana: “por que ele, sendo um padre, estaria me dando atenção?”.
Rapidamente aquele diálogo, em meio àquela situação inesperada, gerou uma confiança que repentinamente brotou nos corações tanto no da samaritana, quanto no coração de Garelli, que fez acender uma centelha de esperança para a mudança de suas vidas.

O poço também pode ser pensado como um lugar místico, como um oásis, o lugar em que se depositava um dos elementos vitais para a vida. Para Garelli, aquela Igreja onde ele se refugiava no canto deveria ser o seu oásis em meio aos perigos e descontroles de Turim. Mesmo inconscientemente, ele estava em um lugar místico, a morada do próprio Senhor que dá a vida. 
Naquele encontro, por meio aquele diálogo, é oferecida à samaritana uma água que mataria a sua sede eternamente e isso a deixa maravilhada. Para Garelli, Dom Bosco oferece o catecismo, que seria a possibilidade de seu encontro pessoal com Jesus e que, por meio dele, receberia essa água viva.


O anúncio
Depois do encontro com Jesus, a mulher samaritana vai até a sua aldeia e anuncia que o Messias já estava entre eles e conta todas as maravilhas ditas a ela. Garelli, da mesma forma, vai contar aos seus amigos que havia conhecido um padre que tinha dito coisas maravilhosas a ele e que havia lhe oferecido condições de resgatar a sua dignidade. E com aquela propaganda, logo acorreram muitas pessoas ao poço de Samaria e muitos meninos ao “poço de Turim”, a fim de constatar se o que aqueles anunciadores haviam dito correspondia com a verdade. Contudo, em seus corações já sentiam que haviam encontrado aquele que há muito tempo esperavam, o tão esperado Messias, o Filho do Deus Altíssimo, Jesus Cristo.


Os frutos do encontro
Nessa relação entre Garelli e a samaritana percebemos como Dom Bosco conseguiu imitar Jesus em suas atitudes e por meio dele, muitos jovens encontraram de fato aquele que é o único sentido de suas vidas e que somente com Ele e por Ele extinguirão a sua sede, que é saciada por meio do seu imenso amor que os envia o Espírito Santo.
Depois daquele encontro nem a samaritana e nem Bartolomeu Garelli seriam mais os mesmos, pois a samaritana teve um encontro pessoal com Jesus, e Garelli, com um homem que prefigurava a figura do Bom Pastor, aquele que se inclina para cuidar de suas ovelhas, e assim como nos diz Pe. Pascual Chávez no prólogo do livro de Juan Bartolomé, Místicos, profetas e servos: “(Nos tornamos) místicos, porque nos encontramos pessoalmente com Cristo Jesus e como Ele e junto a Ele, viveremos testemunhando o primado absoluto de Deus”. 


N. Jefferson Castro, BRE

A experiência de Deus na vida dos jovens oratorianos de Dom Bosco


Nas ruas de Turim se encontravam jovens sentados nas calçadas esperando uma chance de trabalho; outros empregados por patrões inescrupulosos numa absurda rotina de trabalho que às vezes chegava a dezesseis horas diárias e ainda outra grande parte atrás das grades, na maioria das vezes por roubar algo essencial para as suas vidas e a de qualquer ser humano. Em meio àquela situação, Dom Bosco fez a sua experiência de Deus, observando aquela realidade e se compadecendo das vítimas de um sistema que beneficiava somente a alguns poucos.
 
Aquele padre recém-ordenado, dotado de um intelecto privilegiado, com três convites de trabalho em seu bolso, sentiu compaixão daqueles meninos de rua abandonados. E no íntimo de seu ser, sabia que poderia fazer algo por eles, e mais do que isso, mudar as suas vidas completamente. Seu desafio seria mais do que dar pão, trabalho e resgatar a dignidade e cidadania daqueles jovens; seria possibilitá-los a uma experiência de Deus e assim, salvar as suas almas. No meio daquela confusão, o Espírito Santo suscitou em Dom Bosco a solução para ajudar aqueles meninos pobres e abandonados.
 

O primeiro jovem e o trabalho com os detentos
 

Certa vez um sacristão encontrou um menino de rua passando em sua sacristia e logo lhe abordou, pedindo-lhe para ajudar o padre na Celebração Eucarística como coroinha, no entanto, aquele pobre menino não sabia nem como se posicionar no altar. Então, sem pensar duas vezes, o furioso sacristão golpeou-o com seu espanador e xingou-o sem nenhum remorso. Percebendo algo estranho, o sacerdote que presidiria aquela missa repreendeu o sacristão e disse que aquele menino era seu amigo. Trata-se de Bartolomeu Garelli, o primeiro oratoriano de Dom Bosco. Propondo uma simples, mas profunda catequese, diversões e comida, conseguiu atrair Bartolomeu Garelli e muitos outros de seus amigos que, a cada domingo que se decorria, o número de jovens somente aumentava.
 
O pensamento daqueles que não apreciavam tais atitudes atribuiu-lhe os mais terríveis adjetivos e julgamentos pessimistas de suas condições psicológicas, considerando tais feitos obras insanas de um padre insano e demente. Mesmo com tantas rejeições de seus companheiros de ministério e de poderosos da sociedade, Dom Bosco, insatisfeito com as condições de outros jovens que não podiam vir ao seu oratório por estarem privados de sua liberdade, decidiu pedir autorização aos responsáveis dos cárceres para iniciar um trabalho com os jovens presidiários. A sua assistência presença, a sua forma de dialogar com os jovens presidiários e, é claro, o seu carisma juvenil, fizeram dele um porto seguro para aqueles que não tinham em quem confiar.
 
Certo de que os tinha conquistado, iniciou o seu mais caro projeto: proporcionar momentos de encontro com Deus. Nesse intuito, retirou-os por algumas horas de dentro daquelas celas que mais se assemelhavam a jaulas e levou-os para encontrar o Senhor em meio à natureza. Vislumbrando aquelas grandes árvores, sentindo aquele vento puro e o sol a irradiar em suas cabeças, puderam, mesmo que inconscientemente, sentir a presença de nosso Deus que se manifesta em sua criação. Faz-nos lembrar que foi em meio à natureza, no Jardim do Éden, que o Senhor, em todas as tardes, ia se encontrar com a sua mais predileta criação, os seres humanos.
 
Este espaço implantado por Dom Bosco favoreceu uma legião de jovens que tiveram suas vidas completamente mudadas depois que esbarraram com aquele padre e seus colaboradores. É certo que alguns dentre eles foram tomados, por exemplo,  para os outros, tais como Domingos Sávio, Miguel Magone, Francisco Besucco, entre tantos que, através dessa experiência com Deus em suas vidas, conseguiram converter-se e se tornaram verdadeiros santos, simples e humildes, mas profundos em sua vivência radical da Vontade de Deus.
 

O oratório como espaço de oração
 

Não foi por acaso que Dom Bosco batizou o seu primeiro trabalho como Oratório. É certo que em muitas paróquias existia oratório sob o modelo de São Felipe Néri, que foi o criador desse tipo de trabalho, mas a partir de Dom Bosco, essa obra tomou um novo caráter que o tornou mais específico e diferenciado de qualquer outro. Seria um propício local onde se encontraria a santidade.
 
Na perspectiva de Dom Bosco, o seu oratório deveria ser mais do que um lugar onde ofereceria diversão para os meninos, mas um lugar onde, por meio da alegria, eles conhecessem a Deus.
 
Maneiras eficazes que ele encontrou para atrair os meninos a Deus foram a disposição de imagens religiosas nos mais inusitados locais para recordá-los que Deus está presente em todo lugar; as simples jaculatórias, que são pequenas frases que ajudam a rezar, aconselhando-os a pronunciá-las diversas vezes durante o dia; as frases bíblicas que estavam espalhadas em diferentes ambientes, entre outras. Enfim, todo o seu trabalho tinha a real intenção de levar os meninos à oração, favorecendo-os esse fácil acesso à experiência com Deus.

Os frutos desse trabalho
 

Com uma Ave Maria, Dom Bosco deu início a uma obra que tomaria proporções mundiais e atravessaria os séculos.
 
A partir da necessidade de uma época e da coragem de um padre, desse Oratório foi fundada a Congregação Salesiana, sendo formada pelos próprios meninos de rua, engraxates e trabalhadores das fábricas e que gradativamente foram somados com novos cooperadores de outras classes sociais e de diversos países.
 
Percebendo a importância dos Oratórios em nossa história, carisma e espiritualidade, é preciso valorizar e dar maior visibilidade a eles e verdadeiramente proporcionar aos jovens esse encontro com Deus. Devemos fugir do simples assistencialismo social e torná-los lugar propício para a ação de Deus e a fecundidade do Espírito Santo. Devemos permitir que desses lugares a nossa fé cresça e se torne mais sincera e fiel. Devemos, como salesianos e cristãos, nos comprometer profundamente com a salvação daqueles que escolhemos para servir, e assim, nos santificar: os jovens.

N. Jefferson Castro, BRE

A vocação do Salesiano Coadjutor

Dom Bosco, ao pensar na Congregação Salesiana, imaginou como iria formá-la para atender aos meninos pobres e abandonados de Turim. Percebendo o sinal que Deus lhe enviava, decidiu esperar as vocações que sairiam de sua obra, tornando assim seus próprios alunos os primeiros salesianos. Enquanto esse dia não era chegado, Dom Bosco recebeu grande apoio de leigos, que, decidindo cumprir seu papel de cristãos, se uniram a ele pela maior glória de Deus e pela salvação das almas.
Desse apoio, Dom Bosco percebeu a importância de haver leigos consagrados formando a Congregação Salesiana e assim, uma vocação complementaria a outra. Convicto de que essa inspiração provinha de Deus, acolheu rapazes que intencionavam santificar suas vidas sem se entregar ao estado eclesiástico, mas abraçando a vida religiosa.
O salesiano coadjutor é aquele que decide responder à sua vocação de cristão, abraçando fielmente o seu batismo, tornando-se assim radical seguidor do Evangelho. E dessa forma, adere plenamente ao seu batismo e às consequências que ele traz em sua vida: o “querigma”, que é o anúncio do Evangelho, a “diaconia”, que significa o serviço ao próximo, a “koinonia”, que baseia-se no amor ao próximo como a si mesmo, e a “martiria”, ou seja, o amor até às últimas consequências.

Querigma, diaconia, koinonia e martiria

Ao assumir o querigma, o salesiano coadjutor assume a posição de evangelizador, propagador de Nosso Senhor Jesus. Assume a missão de propagá-lo para todos os povos, nações e línguas. Está disposto, com o seu testemunho, a revelar a bondade de Deus para com a humanidade.
A diaconia é o serviço, as mãos trabalhadoras que semeiam na vinha do Senhor. É colocar-se à disposição da comunidade e de maneira mais especial, dos jovens, que são os destinatários de sua missão. É trabalhar incansavelmente para a sua salvação, sendo guiado também pelas recomendações de Dom Bosco, que diz: “Com trabalho e temperança a nossa congregação florescerá”.
Como seguidores de Jesus, somos convidados a amarmo-nos mutuamente. Quando assim fazemos, exercemos a koinonia. É querer o bem ao outro, é saber que “o Senhor colocou-nos no mundo para o próximo”.
E o último é a martiria, o chamado a professar a fé cristã até as últimas consequências, a ponto de entregar o próprio sangue.

O chamado do leigo consagrado

Então, como cristão e por sua vez batizado, o irmão coadjutor é chamado a viver plenamente o seu batismo e com ele, deve testemunhar com a vida o Evangelho, e ainda, como nos pede o papa Francisco, revelar a alegria que há nele para os jovens, servir ao próximo com entusiasmo, cumprir o mandamento do amor deixado por Cristo na última ceia e doar toda a sua vida Àquele que a doou por primeiro. Unido a isso, o irmão testemunhará a sua adesão plena de cristão vivendo em comunidade, seguindo um carisma e exercendo os conselhos evangélicos (castidade, pobreza e obediência).
Como mestres contemplativos na ação, unirão os papéis de Marta e Maria, citadas no Evangelho como prefiguração de duas palavras: oração e trabalho. E com o seu testemunho de leigo consagrado, mostrarão aos jovens que é possível servir a Deus na condição laical, sendo bons cristãos e honestos cidadãos.


N. Jefferson Castro- BRE